O ensino do resumo na sala de aula
Isabel Solé
É importante os alunos responderem por que precisam resumir, que assistam aos resumos efetuados pelo seu professor, que resumam conjuntamente e que possam usar esta estratégia de forma autônoma e discutir sua relação. Não vou insistir no que já comentei em capítulos anteriores, embora caiba recordar que o processo de ensino e aprendizagem não difere no essencial. No caso do resumo, Cooper (1990), com base nos trabalhos de Brown e Day (1983), sugere que para ensinar a resumir parágrafos de texto é necessário:
• Ensinar a encontrar o tema do parágrafo e a identificar a informação trivial para deixá‐la de lado.
• Ensinar a deixar de lado a informação repetida.
• Ensinar a determinar como se agrupam as idéias no parágrafo para encontrar formas de englobá‐las.
• Ensinar a identificar uma frase‐resumo do parágrafo ou a elaborá‐la.
Como podem ver, são as mesmas regras que já mencionamos anteriormente e que também são úteis para encontrar as idéias principais. Pois bem, podemos considerar que o resumo de um texto pode ser assimilado ao conjunto das suas idéias principais? Se nos atermos ao processo que os especialistas determinam para estabelecê‐los, sem dúvida nos encontraremos diante do mesmo procedimento, porém minha resposta à pergunta formulada é negativa. Parece‐me que o resumo de um texto é elaborado com base naquilo que o leitor determina como idéias principais, que transmite de acordo com seus propósitos de leitura. Assim, poderíamos dizer que a determinação das idéias principais de um texto é uma condição necessária, porém não suficiente, para chegar a concretização do resumo, essa elaboração que, segundo Van Dijk, mantém relações muito particulares com o texto do qual provém.
O resumo exige a identificação das idéias principais e das relações que o leitor estabelece entre elas, de acordo com seus objetivos de leitura e conhecimentos prévios. Quando estas relações não se manifestam, deparamo‐nos com um conjunto de frases justapostas, com um escrito desconexo e confuso no qual dificilmente se reconhece o significado do texto do qual procede. Daí a importância de entender as vinculações e, simultaneamente, as diferenças entre resumo, idéia principal e tema. Embora sejam trabalhados de forma conjunta com freqüência, é preciso não perder de vista que cada um deles exige determinadas intervenções e, no caso do resumo, uma reflexão sobre como se deve ensinar a escrevê‐los.
Um resumo pode ser uma produção correta, mas “externa” ao leitor/ escritor que o elaborou; isto é, o resumo elaborado mediante a aplicação das regras já mencionadas pode “dizer o conteúdo” que está no texto de forma breve e sucinta. Por outro lado o resumo de um texto pode ser muito mais interno, no sentido de integrar a contribuição do leitor/ escritor que, mediante sua leitura e redação, consegue elaborar novos conhecimentos e obter conhecimento sobre eles. Muitas vezes, a diferença não se encontra no produto finalmente elaborado, que pode ser muito similar, mas nas estratégias utilizadas para a realização, que em um caso levam a “dizer o conhecimento” e, no outro, levam a “transformá‐lo” (Bereiter e Scardamalia, 1987).
Este fato exige uma certa reflexão, pois aqui nos interessa o ensino da elaboração dos resumos. Ainda que tenhamos informações concludentes a respeito, podemos convir que, do mesmo modo que não é a mesma coisa dizer o conhecimento que temos sobre um texto através de um resumo que elaborar o conhecimento mediante o resumo, tampouco haverá as mesmas estratégias em ambos os casos, nem serão idênticas as situações didáticas em que todo o processo ocorre. Sem dúvida, os trabalhos sobre composição escrita (Bereiter e Scardamalia, 1987; Camps, 1990; Camps, 1991) podem iluminar esta complexa questão, cujo tratamento excede as pretensões deste livro.
Entretanto, parece‐me que algumas das coisas que estabelecemos a respeito do processo de leitura e das estratégias que facilitam sua compreensão podem ser úteis, a título de hipóteses, para ajudar aos alunos não só a resumir, mas a compreender e aprender com a elaboração de resumos – e também com a identificação das idéias principais. Quando os alunos resumem como meio para aprender, o normal é que o façam a partir de textos expositivos; nesses casos, para a elaboração de um resumo “interno” do próprio aluno, que o leve a transformar seu conhecimento, é preciso que ele aborde o que já tem e que se interrogue sobre o grau de consistência do mesmo com relação ao que foi lido. Esta estratégia (abordar o conhecimento prévio e contrastado) sempre está presente quando se trata de compreender um texto – narrativo ou expositivo; quando, além disso, queremos aprender a partir dele, poderíamos dizer que adquire categoria de finalidade, no sentido de que necessitamos saber até que ponto encontramos nova informação no texto e em que medida esta pressupôs uma transformação do conhecimento prévio com que foi abordado.
Ajudar os alunos a elaborar resumos para aprender, que contribuam para transformar o conhecimento, pressupõe ajudá‐los a envolver‐se profundamente naquilo que fazem. Não é suficiente ensinar‐lhes e aplicar determinadas regras; é preciso ensinar‐lhes a utilizá‐las em função dos objetivos de leitura previstos e a fazê‐lo de forma tal que esse processo não seja independente do contraste entre o que se sabe e o que o texto aporta. Quando se resume assim, a elaboração realizada constitui ao mesmo tempo um texto que sintetiza a estrutura global de significado do texto de que procede, um instrumento para a aprendizagem, para saber o que se aprendeu e o ponto de partida necessário para saber o que se precisa aprender. Neste sentido, o resumo torna‐se uma autêntica estratégia de elaboração e organização do conhecimento (Pozo, 1990). Um aspecto fundamental, ao qual deveria ser dada maior importância, é a leitura e revisão que o autor faz de seu próprio resumo, como meio de ajudar a tornar consciente o processo mencionado.
Entendida desta forma, a atividade de resumir – tanto em estruturas expositivas como em narrativas – adquire a categoria de “técnica excelente” para o controle da compreensão, que lhe é atribuída por Palincsar e Brown (1984): se não se puder realizar uma sinopse do que se está lendo ou do que foi lido, evidencia‐se que não houve compreensão. Simultaneamente, a partir desta concepção, torna‐se novamente evidente
o papel ativo do leitor no processo da leitura e a influência das suas expectativas e bagagem no que compreende e no que produz a partir da sua compreensão. Como esta, resumir não é questão de “tudo ou nada”, mas relativa às características de cada leitor, às da tarefa em si (que tipo de texto, com que exigências etc.) e à ajuda que recebe para realizá‐la. Isto nos leva novamente à necessidade de articular situações de ensino/aprendizagem nas quais se ajude explicitamente a trabalhar com a leitura e nas quais não se dê tanta importância à unicidade das respostas mas à sua coerência e utilidade para a aprendizagem do leitor. Também nos leva a uma visão articulada e global do complexo processo que conduz à construção do significado de um texto, que não pode se reduzir a uma sequência de passos isolados.
SOLÉ, Isabel. “O resumo” In: Estratégias de leitura. Porto: Alegre: ArtMed, 1998. 6ª Ed. pp. 147 – 149