RODAS DE LEITURA: UMA ESTRATÉGIA PARA A FORMAÇÃO DE NEO-LEITORES
BISPO, Neilma da Silva
1 INTRODUÇÃO
O ensino de leitura está historicamente vinculado à escola. É dela a tarefa de oportunizar situações para que o aluno desenvolva o gosto pela leitura. Entretanto, já se tornou lugar comum dizer que, no Brasil, a escola vem falhando na sua função de formar leitores. De fato, ensinar a decifrar os sinais gráficos ainda é a leitura ensinada na escola, mas, essa decifração do código é apenas uma das condições para inserir os alunos no mundo e no prazer dos livros e da leitura.
A segunda edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil¹, de 2007, realizada pelo Instituto Pró-Livro², é o principal estudo sobre o comportamento leitor no país, nela, é considerado leitor quem leu um livro nos três meses anteriores à entrevista. Dentre outras constatações importantes para uma revisão do ensino da leitura nas escolas brasileiras apontadas na pesquisa, está a dificuldade de leitura que configura um quadro de má formação das habilidades necessárias ao ato de ler, o que pode decorrer da fragilidade do processo educacional: lêem muito devagar: 17%, não compreendem o que lêem: 7%, não têm paciência para ler: 11%, não têm concentração: 7%. Esses dados somam 42% do universo pesquisado.
Conforme Cunha (2008), todos esses problemas dizem respeito às habilidades de leitura que são formadas na escola. Para ela, a superação desses resultados exigiria um esforço significativo do poder público na formação e aperfeiçoamento de professores e mediadores de leitura. Embora a escola não tenha um enfoque específico, é um elemento constante ao longo da pesquisa, o que confirma a tarefa que recai sobre ela na tarefa de formar leitores.
O ensino da leitura deveria corresponder à percepção conseguida da natureza da leitura (BAMBERGER, 2000), já que ela é um processo complexo que não se realiza todo de vez, não é um ato mecânico. Inerente a ela está o prazer de ler, pois não faz sentido um ensino de leitura que não permita a descoberta de sua dimensão mais pessoal e gratificante. Nessa perspectiva, este artigo apresenta as rodas de leitura como estratégia para formar leitores, por serem elas uma estratégia de ensino recíproco em que o aluno não é meramente um participante passivo do processo de leitura.
Partindo da concepção de leitura como interação entre o leitor e o texto, este estudo expõe, em idéias gerais, os princípios teóricos que embasam o ensino de leitura, bem como tais princípios podem ser vistos nas rodas para que elas possam ser usadas como estratégia eficiente na formação de novos leitores. Este trabalho apóia-se em Kleiman (2001), Bamberger (2000), Solé (1998), Silva (1999), Lois (2010), autores que estão em consonância quanto à natureza interativa da leitura. Será ampliado com Vargas (1997), Yunes (1999) e Nabeiro (2004), autoras que abordam, ainda que de forma sucinta, as rodas como metodologia estimulante para despertar o interesse pela leitura.
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¹ A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil tem sido, desde seu lançamento, em 2001, uma extraordinária contribuição a governos, gestores, pesquisadores, empresários e a todos aqueles que se preocupam com a questão das políticas públicas do livro e leitura.
² O Instituto Pró-Livro – IPL, criado em 2006, é uma Organização Social Civil de Interesse Publico – OSCIP, mantida com recursos constituídos por contribuições de entidades do mercado editorial, com o objetivo principal de fomento à leitura e à difusão do livro.
Convém salientar que a escolha das rodas como objeto desta pesquisa partiu de inquietações acerca das metodologias utilizadas na escola para despertar o gosto pela leitura, como também da constatação de que, por conta de concepções redutoras de leitura, esse método tão usual na escola acabe sendo distanciado de seu objetivo primeiro que é formar leitores. Além disso, a investigação da roda como estratégia para formar leitores poderá abrir caminhos para se pensar a leitura como uma ação interativa que vai além do momento em que se realiza, bem como contribuir para a busca de novas práticas de seu ensino.
Por tais questões, procura-se, nesta pesquisa, investigar o processo de formação de leitores tomando as rodas de leitura como estratégia produtiva na escola, como também analisar as estratégias de leitura que servem ao propósito das rodas. Por fim, busca-se identificar as concepções teóricas e metodológicas que sustentam o ensino de leitura.
2 O QUE É LER?
Ler significa decifrar, conhecer, apreciar, antecipar, concluir, concordar, discordar, estabelecer relações entre diferentes experiências. A leitura é um processo que causa efeito no leitor, no momento da leitura, ele torna-se um criador, transformador da ordem. Ler é um ato de conhecimento.
Neste sentido, ensinar a ler não significa apenas ensinar a juntar letras e sílabas, mas a somar idéias, a vislumbrar a possibilidade de aliar conhecimento e prazer através da leitura. Eis aí um desafio para os professores (que na maioria das vezes ensinam a ler, mas não são leitores): Como formar leitores desejosos pela leitura?
Para formar leitores, é preciso ser apaixonado pela leitura. De acordo com Bellenger citado por Kleiman (1998, p. 15), a leitura se baseia no desejo e no prazer. Tomando suas palavras:
Em que se baseia a leitura? No desejo. Esta resposta é uma opção. É tanto o resultado de uma observação como de uma intuição vivida. Ler é identificar-se com o apaixonado ou com o místico. É ser um poço clandestino, é abolir o mundo exterior, deportar-se para uma ficção, abrir o parêntese do imaginário. Ler é muitas vezes trancar-se (no sentido próprio e figurado). É manter uma ligação através do tato, do olhar, até mesmo do ouvido (as palavras ressoam). As pessoas lêem com seus corpos. Ler é também sair transformado de uma experiência de vida, é esperar alguma coisa. É um sinal de vida, um apelo, uma ocasião de amar sem a certeza de que se vai amar. Pouco a pouco o desejo desaparece sob o prazer (BELLENGER, 1978 apud KLEIMAN, 1998, p.15).
Convém ressaltar que essa descrição prazerosa feita pelo autor nada tem a ver com as práticas desmotivadoras baseadas em concepções equivocadas e redutoras que desprezam elementos fundamentais da leitura.
A propósito das concepções de leitura, Kleiman (1998) aponta três: a leitura como decodificação, a leitura como avaliação e a concepção autoritária de leitura. Segundo a autora, a primeira é uma prática empobrecedora que em nada modifica a visão do aluno, trata-se de atividades mecânicas de identificação de palavras no texto. Alliende & Condemarín (1987) apontam a decodificação como uma das operações parciais da leitura, mas salientam que ela não deve ser confundida com a totalidade do processo de leitura.
A segunda é “um outro tipo de prática que inibe, ao invés de promover a formação de leitores” (KLEIMAN, 1998, p.21). A leitura como avaliação caracteriza-se pela exagerada preocupação de aferir a capacidade de leitura dos alunos, por isso, a aula é, na maioria das vezes, dedicada exclusivamente à leitura em voz alta. Silva (1999) ressalta que essa prática faz surgir na escola o leitor “papagaio” ou “vitrola”, que apesar de transformar os símbolos escritos em orais, não consegue compreender as ideias referenciadas pelo texto.
Já a terceira parte do pressuposto de que o texto deve ser abordado apenas de uma maneira e que existe somente uma interpretação possível a ser alcançada. Despreza-se assim, qualquer possibilidade de diferentes interpretações ou sentidos de um mesmo texto, visto que uma resposta protocolar, firmada pelo professor, é privilegiada no intuito de permitir correção e controle.
Essa concepção de leitura permite todas as deturpações já apontadas, que agora resumimos: a análise de elementos discretos seria o caminho para se chegar a uma leitura autorizada, a contribuição do aluno e sua experiência é dispensável, e a leitura torna-se uma avaliação do grau de proximidade ou de distância entre a leitura do aluno e a interpretação autorizada (KLEIMAN, 1998, p.23).
Isabel Solé (1998) auxilia na análise das concepções de leitura ao abordar os modelos hierárquicos ascendente – buttom up – e descendente – top down. De acordo com a autora, o modelo buttom up considera que o leitor processa os elementos componentes do texto de forma ascendente, seqüencial, hierárquica: letras – palavras – frases. Neste modelo o leitor só utiliza os dados apresentados no texto para alcançar a compreensão. As propostas de ensino que se baseiam no modelo buttom up consideram que o leitor pode compreender o texto porque pode decodificá-lo totalmente, ou seja, atribuem grande importância à decodificação.
No modelo top down, ainda segundo a autora supracitada, a informação flui do leitor para o texto, ao qual é atribuído significado de acordo com seus conhecimentos prévios e seus objetivos para a leitura.
[...] quanto mais informação possuir um leitor sobre o texto que vai ler, menos precisará se “fixar” nele para construir uma interpretação. Deste modo, o processo de leitura também é seqüencial e hierárquico, mas, neste caso, descendente: a partir das hipóteses e antecipações prévias, o texto é processado para sua verificação (SOLÉ, 1998, p. 24).
Este modelo gerou propostas de ensino que valorizam o reconhecimento global de palavras em detrimento das habilidades de decodificação. Vale salientar que a leitura é justamente o contrário das concepções abordadas por Kleiman, e não está centrada exclusivamente no texto nem no leitor como sugere os modelos buttom up e top down. Leitura é interação.
A concepção interacionista de leitura enfatiza a relação que se estabelece entre o leitor e o texto, uma vez que “ler é sempre uma prática social de interação com signos, permitindo a produção de sentido(s) através da compreensão-interpretação desses signos” (SILVA, 1999, p. 17).
Tal concepção parte do princípio de que o leitor utiliza seu conhecimento do mundo para dialogar com o texto num processo de recriação dinamizado pelo seu repertório. Partindo desse pressuposto, além do repertório prévio de experiências do aluno, as propostas de ensino baseadas nessa perspectiva devem levar em conta o domínio das habilidades de decodificação e as estratégias de leitura que tornarão possível a compreensão daquilo que está em uma página escrita.
2.1 Estratégias de leitura
O ato de ler ativa diversas ações na mente do leitor, por meio das quais ele extrai informações. Tais ações são denominadas estratégias de leitura e, na sua maioria, passam despercebidas pela consciência. Elas ocorrem simultaneamente, podendo ser mantidas, modificadas ou desenvolvidas durante a apropriação do conteúdo.
Conforme Kleiman (1998, p. 49), “quando falamos de estratégias, estamos falando de operações regulares para abordar o texto”. Em outras palavras, estratégias são procedimentos, métodos, técnicas, conjunto de ações ordenadas dirigidas à consecução de uma meta. Para a autora supracitada as estratégias de leitura podem ser classificadas em metacognitivas e cognitivas. As primeiras seriam aquelas sobre as quais o leitor tem controle consciente, já as segundas seriam as operações inconscientes que o leitor realiza para atingir algum objetivo da leitura.
Ao ler um texto, não é difícil perceber que nem tudo o que está escrito é igualmente útil. Logo a mente seleciona o que interessa. Escolhem-se alguns aspectos relevantes, ignoram-se outros, irrelevantes, e faz-se uma seleção dos aspectos sem os quais seria impossível compreender o texto. Se durante a leitura, o leitor perceber que não está entendendo o texto, ele poderá voltar e reler, procurar o significado de uma palavra-chave ou procurar exemplos de um conceito, dessa forma, ele avalia sua leitura. A seleção e a autoavaliação são estratégias conscientes, acontecem automaticamente durante a leitura e o leitor pode controlá-las.
Além da seleção e da autoavaliação, o leitor realiza outras estratégias como: antecipação, inferências, autorregulação e autocorreção. A antecipação consiste no levantamento de hipóteses feito pelo leitor com base nas pistas que vai percebendo durante a leitura, no final ele comprova se suas antecipações estavam corretas ou não. As inferências são os complementos que o leitor fornece ao texto a partir de seus conhecimentos prévios. A autorregulação é a ponte feita pelo leitor entre o que supõe e as respostas que vai obtendo através do texto. Trata-se de avaliar a coerência interna do conteúdo do texto e sua compatibilidade com o conhecimento prévio. Já a autocorreção acontece quando as expectativas levantadas pelas estratégias de antecipação não são comprovadas, pondo em dúvida a compreensão do leitor. Ele, então, repensa suas hipóteses, constrói outras e retoma partes anteriores do texto para fazer as devidas correções.
O ensino das estratégias de leitura contribui, de fato, para a formação de leitores autônomos, capazes de enfrentar textos de gêneros diversos, muitas vezes diferentes daqueles que são usados na escola para o ensino de leitura. Leitores proficientes capazes de formular e reformular hipóteses, de selecionar, de complementar as informações do texto, de antecipar, de interrogar sua própria compreensão, de estabelecer relações entre o que lê e seus conhecimentos prévios, de questionar o seu conhecimento e modificá-lo, transferir o que foi aprendido para outros contextos diferente. Leitores capazes, portanto, de aprender a partir dos textos.
2.2 MOTIVAÇÃO PARA A LEITURA
De acordo com Johns e VanLeirsburg (2001), qualquer metodologia que vise motivar leitores deve envolver pelo menos quatro pré-requisitos básicos: o ambiente, a escolha de materiais que tenham um nível apropriado de dificuldades para os alunos, as estratégias de motivação e os objetivos da atividade. É evidente que a motivação para a leitura depende muito da postura do professor, ele deve estar disposto a aprender e ensinar a ler, uma vez que é mediador, como depõe Antunes (2009, p. 202).
[...] apresenta o livro, expõe e lê o texto, analisa-o, fala sobre ele, traz notícias sobre os autores, sobre novas publicações; enfim, é aquele que transita pelo mundo das páginas, que deixa o rastro de sua experiência de leitor. É o mediador entre o aluno-leitor e o autor do livro. Para que o ato do descobrimento pessoal aconteça... (ANTUNES, 2009, p. 202).
Dos pré-requisitos apresentados por Johns e VanLeirsburg (2001), talvez o mais importante seja os objetivos da leitura, uma vez que os objetivos determinam a postura do leitor diante do texto no sentido de utilizar as estratégias necessárias para cada caso. Os objetivos da leitura podem ser muito variados, por exemplo: ler para se informar, para comunicar algo, para aprender, para revisar algum escrito próprio, por prazer, para praticar a leitura em voz alta, etc. Convém lembrar que todos os objetivos devem ser considerados nas situações de ensino.
A escolha dos materiais é um fator que, sem dúvida, contribui para motivar a leitura. No que se refere aos materiais, Smith (1999, p. 12) salienta que “o problema é de excesso, não de escassez”, pois estamos afogados em meio a tantos suportes de texto – livros, jornais, revistas, cartoons, gibis, cartazes de rua, manuais de instrução, rótulos, panfletos, etc. – que o dilema do professor, ao planejar a leitura, não é o de encontrar, e sim o de selecionar materiais. Há que se levar em conta, no momento da seleção, o nível de dificuldade dos alunos e seus conhecimentos prévios com relação aos textos em questão.
No que tange às estratégias de motivação, é preciso levar em consideração que nem todas as situações de leitura são motivadoras. Tomando as palavras de Solé (1998),
As situações de leitura mais motivadoras também são as mais reais: isto é, aquelas em que a criança lê para se libertar, para sentir o prazer de ler, quando se aproxima do cantinho de biblioteca ou recorre a ela. Ou aquelas outras em que, com um objetivo claro – resolver uma dúvida, um problema ou adquirir a informação necessária para determinado projeto – aborda um texto e pode manejá-lo à vontade, sem a pressão de uma audiência (SOLÉ, 1998, p. 91).
Neste sentido, vale apresentar, de forma sucinta, três estratégias consideradas eficientes para motivar a leitura, a saber, a imersão, a demonstração e a roda. A imersão consiste em deixar na sala de aula uma ampla variedade de materiais impressos para que os alunos tenham a oportunidade de mergulhar e interagir com esse material. Essa imersão no hábito de ler inclui a liberdade de escolha e a leitura silenciosa, a forma de leitura que mais acontece em outros espaços fora da escola.
A demonstração, por sua vez, é uma estratégia que deve partir sempre do professor, pois, “dentro de uma sala de aula, não há modelo mais efetivo do que um professor que realmente ame os livros e a leitura” (Johns e VanLeirsburg, 2001. p. 111). Os professores que lêem oralmente para a classe todos os dias, não importa a idade ou a série dos alunos, instruem e motivam as crianças para o prazer da leitura. A roda de leitura é uma estratégia em que a demonstração tem uma importância fundamental, pois ela é um elemento desencadeador de interação.
3. As Rodas de Leitura
As rodas de leitura não são novidade, na Grécia antiga já era comum autores realizarem leituras públicas para divulgar suas obras. Essa estratégia configura-se em um determinado número de pessoas sentadas em círculo para a leitura oral de textos literários, no qual um leitor-guia lê em voz alta, enquanto os ouvintes, também leitores, acompanham a leitura. No final, estabelece-se um diálogo interpretativo do texto, que pode proporcionar prazer, além de ampliar os horizontes de expectativas dos leitores e sua bagagem cultural.
Não existem regras muito fixas para a realização das rodas de leitura, entretanto, de acordo com Vargas (1997), alguns passos são necessários para que a atividade tenha êxito:
1) O leitor-guia: é ele quem faz a leitura e comenta com a platéia, em outras palavras é o mediador da leitura. Cabe ao leitor-guia a tarefa de mobilizar, provocar e costurar as demais falas sem deixar prevalecer a sua.
2) Os textos: são previamente escolhidos pelo leitor-guia, o sucesso de uma roda de leitura deve-se em grande parte ao texto que seus participantes ganham, visto que ele é o elemento concreto através do qual a interação entre o leitor-guia, o escritor e a platéia vai acontecer.
3) A periodicidade: as rodas de leitura podem ser realizadas uma vez por semana, uma vez ao mês ou de quinze em quinze dias.
4) O número de participantes: um número máximo de trinta participantes é a medida certa. Um número maior pode tornar a leitura mais dispersiva e não dar oportunidade a todos de se manifestarem.
5) O local: pode ser pré-fixado ou negociado com os participantes, contudo deve ser aconchegante e silencioso.
Esses são os elementos básicos para se fazer uma roda de leitura. Em suma, são procedimentos simples que podem tornar o ato de ler mais prazeroso.
3.1 Rodas ou círculos? De conversa ou de leitura?
Talvez pelo fato de não existirem regras muito fixas para a realização das rodas de leitura, elas sejam, principalmente na escola, confundida com as rodas de conversas que são feitas nas séries iniciais. Essa estratégia é realizada diariamente na sala na aula e visa desenvolver a oralidade dos alunos.
Embora as duas sejam organizadas em círculos no qual todos podem se ver e estejam enquadradas no “modelo de ensino recíproco” (Solé, 1998, p. 80), em que o aluno assume uma postura ativa quando formula hipóteses, faz perguntas, esclarece dúvidas, na roda de conversa o elemento detonador da interação não é a leitura, o professor propõe o diálogo a partir de uma pergunta instigante, de uma história conhecida, de um problema que leve à criação de hipóteses, de temas familiares ou assuntos que estejam sendo trabalhados.
E os círculos de leitura? Estes também se configuram num determinado número de pessoas sentadas em círculo, porém sua dinâmica é diferente da dinâmica da roda. A proposta dos círculos de leitura se estrutura da seguinte forma:
1) Os textos são escolhidos pelos participantes, cada um define o que irá ler.
2) São formados pequenos grupos de acordo com o livro escolhido. Dessa forma, diferentes livros são lidos simultaneamente.
3) Os participantes escrevem ou desenham notas para guiar sua leitura e a discussão em grupo.
4) Os grupos se reúnem de forma regular para discutir o que estão lendo.
5) As discussões no círculo de leitura são levantadas pelos participantes, não há um leitor-guia, apesar de haver um líder que mediará a discussão.
6) Cada círculo de leitura leva em torno de um mês para ser realizado.
7) Quando a leitura do livro lido pelo grupo acaba, os participantes compartilham com o “grupão” os pontos altos dessa leitura e, com isso, novos grupos são formados.
Os círculos, tanto quanto as rodas, representam uma forma significativa e eficiente para resgatar a leitura gratuita na escola. Todavia, convém salientar que neste trabalho, defendem-se as rodas de leitura como estratégia para formar novos leitores.
3.2 ESTRATÉGIAS DE LEITURA USUAIS NA RODA
As estratégias de leitura são necessárias para aprender a partir do que se lê, mas também quando a aprendizagem se baseia no que se escuta, o que se discute ou debate. A utilização de estratégias de leitura compreende três momentos: o antes, o durante e o depois da leitura (SOLÉ, 1998). Estes momentos são vistos na roda como a pré-leitura, a leitura e a pós-leitura.
Antes da leitura o leitor-guia pode fazer uma brincadeira, contar uma piada, mostrar um vídeo, tocar uma música, contar uma passagem interessante da biografia do autor, fazer perguntas. Enfim motivar a leitura com algo que terá o significado retomado posteriormente, no momento da leitura e de pós-leitura.
É também no momento da pré-leitura que ele mostra o livro, fala sobre a capa, sobre o título, atualiza e ativa o conhecimento prévio do leitor-ouvinte, mediante habilidades de investigação. Dessa forma, o leitor-ouvinte antecipa, formula hipóteses, faz previsões, procura alternativas, seleciona possibilidades, imagina.
Tomando as palavras de Braga (2009, p. 26), “cada um lê com o que tem dentro de si”. Portanto, no momento em que o leitor-guia instiga, faz emergir o conhecimento prévio do leitor-ouvinte, ele utiliza naturalmente as estratégias de leitura que irão confirmar, ampliar ou transformar seu conhecimento. Para Solé (1998), tudo o que pode ser realizado antes da leitura tem a finalidade de provocar a necessidade de ler e transformar o aluno em leitor ativo.
A pré-leitura trabalha com o repertório dos participantes da roda e é fundamental para o encaminhamento da etapa seguinte, a leitura. Durante a leitura, feita pelo leitor-guia, o leitor-ouvinte, com base nas pistas que vai percebendo, confirma ou não suas hipóteses e antecipações. Nesse momento ele também realiza inferências quando complementa o texto a partir de seus conhecimentos prévios para alcançar uma compreensão da mensagem passada pelo texto. Durante a leitura podem ocorrer também as falsas interpretações e as lacunas na compreensão que serão colocadas pelo leitor-ouvinte na pós-leitura.
Depois da leitura, o leitor-guia conduz uma análise com o objetivo de rever e refletir sobre o conteúdo lido, ou seja, a importância da leitura, o significado da mensagem, a aplicação para solucionar problemas e a verificação de diferentes perspectivas apresentadas para o tema. Também é realizada uma discussão em que os participantes esclarecem suas possíveis dúvidas, formulam e respondem perguntas sobre o que foi lido para preencher as lacunas deixadas durante a leitura; estabelecem relações entre o que foi apresentado na pré-leitura e o conteúdo lido.
Em suma, na pós-leitura se dá a construção do conhecimento que pode ser exposto em forma de resumo oral e de uma releitura do texto com desenhos, dramatizações, músicas. Convém ressaltar que na roda, nem sempre a pós-leitura se fará com as estratégias citadas anteriormente, ainda que elas surjam e pareçam livres e criativas, é fundamental que não venham antes do desejo de compreender o texto e viver a história pura e simplesmente.
4 ANÁLISE: POR QUE AS RODAS?
Já foi dito anteriormente que não há nada de inédito nas rodas de leitura, o ineditismo, aqui, está em utilizá-las como estratégia para motivar e formar leitores. Elas são espaços de interação que tem como objetivo fazer nascer leitores. Além da leitura gratuita, proporcionam momentos de fala e de escuta onde as crianças interagem e ampliam seu conhecimento num processo dialógico, e assim, tornam-se receptoras de texto.
Vários estudiosos na área de leitura destacam a importância desse momento. Conforme apontam Zilberman e Bordini,
A criança e o adolescente precisam é de um espaço para poder expressar o que a obra, seja qual for, suscitou dentro deles. Esse espaço depende do tipo de família e de escola em que estão. Se essas instituições forem de modelo autoritário, não haverá o necessário diálogo e as pequenas cabeças serão talhadas conforme a censura dos adultos decidir que devam pensar. Se forem igualitárias, mesmo diante de conflitos interpretativos, idéias e crenças serão postas em circulação irrestrita e cotejadas com fatos concretos alargando-se a visão do mundo dos leitores, tanto adultos como jovens (ZILBERMAN E BORDINI apud NABEIRO, 2004, p. 38).
As rodas de leitura propiciam o encontro do leitor com o texto de maneira descomprometida, ou seja, sem a cobrança de uma avaliação quantitativa. Ao entrar em contato com o texto através da transmissão oral de um mediador, o leitor tem a oportunidade de ouvir e fazer leituras, partilhar experiências, frustrações, sonhos, decepções e assim, criar sua história de leitura.
Essa atividade que favorece o aprendizado da leitura e da expressão oral é uma estratégia eficiente e de fácil aplicação para se formar leitores na escola. O número de participantes, o tempo de duração, o local – sala de aula, pátio, grama, sombra de uma árvore, sala de leitura, biblioteca – pode ser pré-fixado ou negociado com os alunos. É possível trabalhar com todos os alunos de uma turma na sala de aula mesmo.
O professor exerce a função de leitor-guia, é o elo entre o texto e a construção de sentido que o aluno realiza. Cabe a ele a tarefa de motivar, provocar e costurar as demais falas sem deixar prevalecer a sua. Neste sentido, como afirma Yunes,
A experiência do leitor-guia é muito relevante, longe de preponderar a força de seu conhecimento, ele o partilha na mesma medida em que a solicitação direta ou indireta se faz, a partir de alguma outra colocação realizada por qualquer dos intervenientes da roda (YUNES, 1999, p.19).
Convém ressaltar que na roda não há uma hierarquia estabelecida a partir do lugar que se ocupa, daí porque é organizada em círculo, embora o professor/leitor-guia detenha a maior atenção, ele é apenas uma espécie de regente da orquestra, são os participantes que “tocam” a roda.
Com o objetivo de conquistar novos leitores, as rodas proporcionam um encontro agradável com o livro e possibilitam ao aluno adentrar a história de modo a se sentir personagem. Por isso, principalmente nas séries iniciais, interessa na roda de leitura o texto literário, uma vez que ele tem caráter polissêmico, desperta o prazer de ler e aguça o potencial criativo do aluno. Conforme Vargas,
A literatura informa através de dimensões outras que não as da realidade, por sua ambigüidade, sua plurissignificação. Ao ler um romance, por exemplo, reajo com os sentidos, com a emoção, conheço a outra dimensão da realidade que é o imaginário. Personagens e situações se constroem, se desconstroem diante dos meus olhos, assumem concretude através da minha identificação ou não com seu mundo. Essa identificação, ou seu contrário, assume importância especial quando se trata do texto literário, seja qual for seu gênero (prosa, poesia, teatro) (VARGAS, 1993, p. 9).
O texto literário traz elementos familiares e curiosos que despertam o interesse, sobretudo, do leitor iniciante. Além disso, “a estética desse tipo de texto joga com as palavras, possui licenças gramaticais que saem do rigor e fazem o texto caminhar em direção á fantasia, ao imaginário, ao faz de conta” (LOIS, 2010, p. 41). O encontro com o texto literário possibilita uma série de links com o aprendizado da leitura e abre diversos caminhos para o leitor. Trata-se de um texto de natureza múltipla que se oferece ao leitor, a priori, como fonte de prazer. Essa prioridade é respeitada na roda.
A dinâmica da roda permite que a leitura do texto literário seja um momento de fruição a partir de três passos: a pré-leitura, a leitura e a pós-leitura (BRAGA, 2009). Esses momentos são de fundamental importância para que o aluno desenvolva estratégias de leitura que irão facilitar a compreensão de quaisquer leituras feitas posteriormente. A prática da roda na escola resgata a leitura oral como fonte de prazer e não como forma de avaliar a decifração do código escrito. “É quase como se nos reportássemos ao tempo em que as emoções da literatura oral atravessavam nossos sentidos sem nenhuma preocupação em ser compreendida” (LOIS, 2010, p. 28).
Vale lembrar que as rodas de leitura são espaços de interação que têm por objetivo fazer nascer leitores, porém, não se exclui dessa atividade um outro objetivo: a propaganda dos livros lidos para despertar o interesse da turma. Há na roda “um espaço onde o aluno selecionará, avaliará e fará uma atividade expositiva sobre sua leitura” (NABEIRO, 2004, p. 38). Assim, a roda pode tornar-se também uma comunidade de leitores na sala de aula e na escola, ou seja, espaços onde todos tenham a chance de participar, opinar, trocar livros e indicar autores.
Enfim, a roda de leitura é uma estratégia estimulante para despertar o interesse pela leitura e formar leitores, ela é uma atividade dinâmica em que a leitura vai além da responsabilidade didática e passa a ser reconhecida em parte como prazer e em parte como elemento formador e reformulador na tarefa de educar.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura é considerada como uma atividade a ser ensinada na escola, porém ela não tem conseguido despertar o encantamento e o gosto pela leitura nos alunos, que cada vez mais se distanciam do texto, principalmente no que se refere à leitura por prazer, sem cobranças avaliativas.
O ensino de leitura na escola tem propósito didático orientado por concepções errôneas e redutoras que desprezam elementos fundamentais da leitura e diminuem sua complexidade processual. É preciso entender que ler não é um ato mecânico de decodificação. É muito mais que isso, é interação entre o leitor e o texto, é o diálogo estabelecido pelo leitor a partir de suas experiências.
Ao longo dessa interação diversas ações são ativadas na mente do leitor, são as estratégias de leitura que ocorrem simultaneamente, podendo ser mantidas, modificadas ou desenvolvidas durante a apropriação do conteúdo. É fundamental que no ensino da leitura não haja a preocupação com os amplos repertórios de estratégias que as crianças possuem, mas que elas saibam utilizar as estratégias adequadas para a compreensão dos textos que lê.
É evidente que para se formar leitores autônomos capazes de enfrentar textos com intenções diversas e de aprender a partir desses textos, faz-se necessário estratégias motivadoras em que a leitura seja primordialmente vista como uma fonte de prazer. A roda de leitura é uma atividade precipuamente interativa, que tem o objetivo de conquistar leitores, e assim, despertar neles a consciência de que o momento com a leitura pode proporcionar prazer, além de ampliar o repertório cultural e aguçar o senso crítico.
Por apresentar inúmeros pontos positivos, acredita-se que a atividade roda de leitura deve se tornar uma prática constante nas escolas, e não apenas no ambiente escolar, mas também em outros setores sociais, culturais, políticos, familiares; setores que, de certa forma, também estão ligados à formação de leitores.
Em síntese, a leitura deve garantir a interação significativa da criança com a língua escrita. Aprender a ler é muito diferente e muito mais complexo do que aprender outros procedimentos ou conceitos. “Ler é muito mais que possuir um rico cabedal de estratégias, ler é sobretudo uma atividade voluntária e prazerosa” (SOLÉ, 1998 p. 90). Isso é levado em conta na roda e deve ser levado em conta em qualquer metodologia para o ensino da leitura.
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ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola é possível. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
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BRAGA, Regina Maria. Construindo o leitor competente: atividades de leitura interativa para a sala de aula. 3 ed. São Paulo: Global, 2009.
CUNHA, Maria Antonieta da. Acesso à leitura no Brasil. In: AMORIM, Galeno (org.) Retratos da leitura no Brasil. São Paulo:Imprensa Oficial: Instituto Pró-Livro, 2008.
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KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. 6. ed. Campinas: Pontes, 1998.
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NABEIRO, Márcia. Uma viagem pela leitura: a descoberta do prazer. São Paulo: Edição do autor, 2004.
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