terça-feira, 20 de abril de 2010

Pé de poesia

 Poesias declamadas pelos alunos do CPA (II mat.) na Escada da Poesia

No livro A arca de Noé, Vinícius de Moraes dá preferência aos pequenos e estranhos animais, como a pulga sempre pulando na perna do "freguês", as abelhas no zune-que-zune, a coruja encolhidinha, a foca desengonçada subindo e descendo escada, o gato mudando de opinião. Mas no meio da bicharada, a porta que vive aberta no céu, uma casa e um relógio. Onde o poeta buscou inspiração para fazer de forma tão simples e graciosa os versos dessa Arca?


São Francisco


Lá vai São Francisco

Pelo caminho
De pé descalço
Tão pobrezinho
Dormindo à noite
Junto ao moinho
Bebendo a água
Do ribeirinho.


Lá vai São Francisco

De pé no chão
Levando nada
No seu surrão
Dizendo ao vento
Bom-dia, amigo
Dizendo ao fogo
Saúde, irmão.


Lá vai São Francisco

Pelo caminho
Levando ao colo
Jesuscristinho
Fazendo festa
No menininho
Contando histórias
Pros passarinhos.
  
O girassol


Sempre que o sol

Pinta de anil
Todo o céu
O girassol
Fica um gentil
Carrossel.


O girassol é o carrossel das abelhas.



Pretas e vermelhas

Ali ficam elas
Brincando, fedelhas
Nas pétalas amarelas.


— Vamos brincar de carrossel, pessoal?



— "Roda, roda, carrossel

Roda, roda, rodador
Vai rodando, dando mel
Vai rodando, dando flor".


— Marimbondo não pode ir que é bicho mau!

— Besouro é muito pesado!
— Borboleta tem que fingir de borboleta na entrada!
— Dona Cigarra fica tocando seu realejo!


— "Roda, roda, carrossel

Gira, gira, girassol
Redondinho como o céu
Marelinho como o sol".


E o girassol vai girando dia afora . . .



O girassol é o carrossel das abelhas.


O relógio


Passa, tempo, tic-tac

Tic-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Tic-tac
Tic-tac
Tic-tac . . .

O pingüim


Bom-dia, Pingüim

Onde vai assim
Com ar apressado?
Eu não sou malvado
Não fique assustado
Com medo de mim.
Eu só gostaria
De dar um tapinha
No seu chapéu de jaca
Ou bem de levinho
Puxar o rabinho
Da sua casaca.


O elefantinho


Onde vais, elefantinho

Correndo pelo caminho
Assim tão desconsolado?
Andas perdido, bichinho
Espetaste o pé no espinho
Que sentes, pobre coitado?


— Estou com um medo danado

Encontrei um passarinho!

  

A porta


Eu sou feita de madeira

Madeira, matéria morta
Mas não há coisa no mundo
Mais viva do que uma porta.


Eu abro devagarinho

Pra passar o menininho
Eu abro bem com cuidado
Pra passar o namorado
Eu abro bem prazenteira
Pra passar a cozinheira
Eu abro de sopetão
Pra passar o capitão.


Só não abro pra essa gente

Que diz (a mim bem me importa . . .)
Que se uma pessoa é burra
É burra como uma porta.


Eu sou muito inteligente!



Eu fecho a frente da casa

Fecho a frente do quartel
Fecho tudo nesse mundo
Só vivo aberta no céu!


O leão
(inspirado em William Blake)


Leão! Leão! Leão!

Rugindo como um trovão
Deu um pulo, e era uma vez
Um cabritinho montês.


Leão! Leão! Leão!

És o rei da criação!


Tua goela é uma fornalha

Teu salto, uma labareda
Tua garra, uma navalha
Cortando a presa na queda.


Leão longe, leão perto

Nas areias do deserto.
Leão alto, sobranceiro
Junto do despenhadeiro.
Leão na caça diurna
Saindo a correr da furna.
Leão! Leão! Leão!
Foi Deus que te fez ou não?


O salto do tigre é rápido

Como o raio; mas não há
Tigre no mundo que escape
Do salto que o Leão dá.
Não conheço quem defronte
O feroz rinoceronte.
Pois bem, se ele vê o Leão
Foge como um furacão.


Leão se esgueirando, à espera

Da passagem de outra fera . . .
Vem o tigre; como um dardo
Cai-lhe em cima o leopardo
E enquanto brigam, tranqüilo
O leão fica olhando aquilo.
Quando se cansam, o Leão
Mata um com cada mão.


Leão! Leão! Leão!

És o rei da criação!

O pato


Lá vem o Pato

Pata aqui, pata acolá
La vem o Pato
Para ver o que é que há.


O Pato pateta

Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo
Comeu um pedaço
De jenipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi pra panela

O pato


Lá vem o Pato

Pata aqui, pata acolá
La vem o Pato
Para ver o que é que há.


O Pato pateta

Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo
Comeu um pedaço
De jenipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi pra panela.

A galinha-d'angola


Coitada

Da galinha-
D'Angola
Não anda
Regulando
Da bola
Não pára
De comer
A matraca
E vive
A reclamar
Que está fraca:


— "Tou fraca! Tou fraca!"

O peru


Glu! Glu! Glu!

Abram alas pro Peru!


O Peru foi a passeio

Pensando que era pavão
Tico-tico riu-se tanto
Que morreu de congestão.


O Peru dança de roda

Numa roda de carvão
Quando acaba fica tonto
De quase cair no chão.


O Peru se viu um dia

Nas águas do ribeirão
Foi-se olhando foi dizendo
Que beleza de pavão!


Glu! Glu! Glu!

Abram alas pro Peru!

O gato


Com um lindo salto

Lesto e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão
E pega corre
Bem de mansinho
Atrás de um pobre
De um passarinho
Súbito, pára
Como assombrado
Depois dispara
Pula de lado
E quando tudo
Se lhe fatiga
Toma o seu banho
Passando a língua
Pela barriga.



As borboletas


Brancas

Azuis
Amarelas
E pretas
Brincam
Na luz
As belas
Borboletas


Borboletas brancas

São alegres e francas.


Borboletas azuis

Gostam muito de luz.


As amarelinhas

São tão bonitinhas!


E as pretas, então . . .

Oh, que escuridão!

A foca


Quer ver a foca

Ficar feliz?
É por uma bola
No seu nariz.


Quer ver a foca

Bater palminha?
É dar a ela
Uma sardinha.


Quer ver a foca

Fazer uma briga?
É espetar ela
Bem na barriga!

O mosquito


O mundo é tão esquisito:

Tem mosquito.


Por que, mosquito, por que

Eu . . . e você?


Você é o inseto

Mais indiscreto
Da Criação
Tocando fino
Seu violino
Na escuridão.


Tudo de mau

Você reúne
Mosquito pau
Que morde e zune.


Você gostaria

De passar o dia
Numa serraria —
Gostaria?


Pois você parece uma serraria!

 
A casa


Era uma casa

Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque na casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na Rua dos Bobos
Número Zero.


MORAES, Vinícius. A arca de Noé: poemas infantis. 2 ed. São Paulo: Companhia da Letrinhas, 2009.


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